Centenário de Nélson Rodrigues

Wellington Soares - Arquivo FQ

Quando indagam sobre os critérios que levam alguém a ser considerado um grande escritor, geralmente respondo que o tempo, dentre outros, é o mais confiável de todos. Explico: caso um autor continue a ser lembrado depois de ter partido há vários anos, é sinal que a sua obra tem substância e não foi produzida à toa. Nelson Rodrigues, nosso maior teatrólogo, é um bom exemplo disso. Nunca ele foi tão lido e comentado na vida como 2012, ano em que se comemora seu centenário de nascimento. Além de Pernambuco, sua terra natal, a celebração da data toma conta do restante do Brasil, com os amantes do teatro e da boa literatura lhe rendendo justa e merecida homenagem. Até dezembro, seus fãs antigos, e os que surgem a cada momento, poderão matar saudade com a leitura de títulos reeditados e peças remontadas.

Que ninguém se iluda, porém, que vai amá-lo numa primeira leitura. Ao contrário, estranheza e revolta são os sentimentos que brotam de imediato. Afinal, Nelson Rodrigues não se propôs a mascarar a realidade, mas pintá-la nua e cruamente, com enfoque especial no ser humano, tema privilegiado em sua vasta obra. Não sendo diferente dos demais leitores, passei também por esse constrangimento ao ler O beijo no asfalto, uma de suas tragédias mais polêmicas. A história, que se passa no Rio, choca o leitor desde o começo: atendendo ao pedido de um jovem moribundo, Arandir se vê obrigado a beijá-lo na frente de todos, inclusive de um repórter de jornal sensacionalista, que estampa a foto na primeira página da manhã seguinte. Incompreendido no inocente gesto, ele acaba expulso de casa por Selminha e, depois, assassinado pelo sogro. Motivo: o velho, tomado por um ciúme doentio, não aceitava que Arandir houvesse beijado outro homem, e não ele.

Como visgo, os textos de Nelson Rodrigues nos mantêm preso desde o primeiro instante. Difícil é querer a liberdade depois de tamanho impacto e encantamento. Sua obra compreende dezessete peças de teatro, um romance e oito folhetins (seis assinados por “Suzana Flag”, um por “Myrna” e um com o seu próprio nome). Um grande número deles adaptado para o cinema e a televisão, como sempre despertando amor e ódio entre as pessoas, sobretudo ao abordar temas nada convencionais do tipo incesto, taras sexuais, adultérios e perversões comportamentais. Daí se compreender o epíteto de “O anjo pornográfico” recebido dos críticos e admiradores. Marco renovador da dramaturgia nacional, Vestido de noiva, peça de caráter psicológico, ainda hoje mexe profundamente com o imaginário cultural do nosso “respeitado” público.

Se como teatrólogo foi genial, inigualável se tornou como frasista, capaz de demolir arraigados valores perpetuados ao longo de nossa existência. Relembrar algumas de suas tiradas é uma forma de mantê-lo vivo entre nós, bem como de homenageá-lo em data tão significativa.

“Nenhuma mulher trai por amor ou desamor. O que há é o apelo milenar, a nostalgia da prostituta, que existe ainda na mais pura”.

“Todos nós somos mais ou menos infelizes. As angústias estão crispadas dentro de nós como víboras”.

“O amigo trai na primeira esquina. Ao passo que o inimigo não trai nunca. O inimigo é fiel. O inimigo é o que vai cuspir na cova da gente”.

“Há homens que, por dinheiro, são capazes até de uma boa ação”.

“Só o cinismo redime um casamento. É preciso muito cinismo para que um casal chegue às bodas de prata”.

“O artista tem que ser gênio para alguns e imbecil para outros. Se puder ser imbecil para todos, melhor ainda”.

“Toda unanimidade é burra. Quem pensa com a unanimidade não precisa pensar”.